Perco-me

Perco-me. Perco-me constantemente. Perco-me nas palavras, perco-me nas ruas, perco-me nos pensamentos, perco-me nas praias, perco-me nas vozes, perco-me nas alfândegas, perco-me nos silêncios, perco-me nos sonhos, perco-me nos vazios. 
Sinto que me estou a perder, a todo o momento. Olho em volto e não reconheço nada, não me lembro de como aqui cheguei, devo-me ter perdido. 
Recordo um cruzamento, tinha de escolher uma das três estradas restantes, não podia voltar a trás. Escolhi a primeira à direita, tão simples que era, apenas virei à direita. A primeira à direita era um vazio. Era um estrada cheia de nada. Não se via nada, não se sabia nada, não se cheirava nada, não se ouvia nada. Era um vazio inexistente de tão vazio que era. Chamarmos a estrada de vazia é um eufemismo, porque ela não estava vazia. Ela era inexistente. 
Continuei a andar, afinal não podia voltar a trás, e neste vazio inexistente vi algo, algo que passou durante um milissegundo, mas sei que vi algo ali. Comecei a andar um pouco mais depressa, estava irritada, porque é que não se mostrava, o que quer que fosse? 
Andei, andei, até que me encontrei novamente, tinha adormecido e estava perdida num vazio inexistente, nesse meu sono. Tinha-me perdido no sonho. Afinal, nunca houve vazio inexistente, tinha-me apenas perdido. No entanto, sei que ainda não me encontrei, apenas encontrei...